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  • Foto do escritorCMurville

PRISÃO


— Olha que flor linda!

— Será que vai chover?

Mas não dava para desviar a atenção, eu precisava checar mensagens, mandar recado para os amigos e conferir novidades. Procuraria informações sobre o tal remédio, a planta milagrosa e o melhor caminho para chegar à loja. Também tinha que saber se havia trânsito e quais eram os filmes em cartaz na cidade.

— Viu aquele pássaro?

— Tô falando com você!

Havia muita gente em volta, carros, cão, gato e periquito. Ouviam-se latidos, miados, buzinas, o povo conversando e os passarinhos piando. Mas eu não queria saber de nada disso, estava concentrada no que fazia. Verificava e-mails ligados ao trabalho, conferia e buscava outras coisas e informações. Necessitava explorar intensamente o universo inesgotável de possibilidades que aparecia na tela do meu celular.

— Você não comeu nada.

— Que tal, então, um sorvete?

Novamente o cão latiu, o gato miou, o carro passou e o passarinho piou, mas as cores e o brilho da tela eram incríveis, muito atraentes, até mesmo hipnotizantes. Eu não conseguia parar de olhar para o celular. Imagine ficar por fora do que estava rolando no mundo?! Além do mais, eu tinha que conversar com colegas e marcar o programa para mais tarde. E quem não queria ter notícias sobre aquele incêndio terrível, o político safado, a ventania da véspera, o preço do dólar, o ET de Varginha...?!

— Que cheiro estranho!

— Estou ficando enjoado.

Eu aproveitaria também para dar uma examinada na minha conta bancária. Será que sobraria uma grana este mês para eu comprar um celular de ponta, com mais recursos? Realmente, não dava para tirar os olhos da telinha, eu estava capturada por ela. Nem ouvia mais nada à minha volta. Havia somente aquela tela mágica na minha frente e eu acreditava na única realidade que conseguia enxergar. Estava presa em um mundo virtual, que nem sabia ao certo por quem havia sido criado. Tampouco questionava a veracidade dos dados que absorvia cegamente. Tinha me tornado um fantoche manipulável e passivo! Engolia tudo sem pestanejar, passando a viver em função das incontáveis informações que consumia.

— Você quer mesmo ficar neste mundo?!

— Achei que tínhamos marcado de nos encontrar!

O sol se escondeu e eu continuava vidrada em um mundo que talvez existisse somente na minha cabeça. Mas depois de tanto impressionarem a minha mente, aquelas imagens agora ocupavam meus pensamentos e já tinham se tornado verdade e realidade. Nem percebi quando o amigo se foi!


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